terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Jogo de sangue

 PARTE I
 
A lua brilhava intensa lá no alto, ofuscando a beleza das estrelas cintilantes. No belo e ermo horizonte, o céu arroxeado se chocava com a sombria e interminável floresta, que oscilava ao sabor do vento. Como em qualquer noite, tudo estava quieto, porém muito distante de estar calmo. O ambiente seria melhor definido como tenso, semelhante a uma calmaria antes da grande tempestade.
À noite, os predadores mais perigosos saiam para caçar e todos os animais da floresta sabiam disso. Ainda assim, a grande calmaria que arrebatava a floresta não se devia a simples fatos como esses. Não hoje. Não agora.
Algo estava diferente e a floresta como um todo podia compreender tal fato, de forma que até mesmo os grandes predadores, sabiamente, agora se escondiam.
Apenas um ser corria desguarnecido pelas estreitas e escassas trilhas da grande selva. Sua respiração estava descompassada e ele já estava ciente que corria perigo. Mas aquele não era seu ambiente, em toda sua vida, morou na cidade, junto com seus pais e agora corria para salvar sua vida.
Eltom tropeçou em um galho e rolou pelo chão fofo coberto de folhas. Seus joelhos albinos estavam ralados, mas não havia tempo para se preocupar com eles. Levantou-se com esforço e novamente recomeçou a trotar de forma débil, já estava sem folego e suas pernas estavam bambas.
Não posso parar de correr!” , o jovem pensou para si.
Sua roupa estava molhada de suor, mas ele sabia que não era apenas devido ao exercício exaustivo. Sentia medo, muito medo. Em toda sua vida, nunca havia visto algo como aquilo que o perseguia. Parecia que vinha de algum filme de terror ou, quem sabe, era simplesmente algum monstro vindo das profundezas do inferno, embora nunca acreditara nessas coisas.
Barulhos macabros vinham lá de trás. Aquela coisa ainda estava o perseguindo e não iria parar. Era perceptível que cada vez mais a distância até o assustador ser diminuía e, quando ela enfim o alcançasse, serio a morte certa.
Eltom sentiu como se um sabre de gelo perfurasse seu estomago ao fazer tal constatação, ele realmente iria morrer ali. Depois de tudo o que passara, agora que seus planos começavam a dar certo, ele via que jamais poderia ter previsto uma situação como essas.
Seus pulmões queimavam e seu coração parecia prestes a entrar em colapso quando, logo a frente pôde ver uma clareira. Talvez houvesse um abrigo. Mas será que conseguiria chegar a tempo? Agora não faltava muito até o monstro o alcançar. Os gritos mórbidos estavam mais altos lá atrás. Aparentemente, aquilo sabia que estava o alcançando e estava cada vez mais excitado.
Só mais um pouco!”
O jovem redobrou seus esforços e conseguiu por alguns instantes exceder seus limites. Aumentou ainda mais o ritmo de sua fuga. Suas coxas ardiam como se estivessem em chamas, mas precisavam aguentar um pouco mais...
Aclareira estava logo a frente, Eltom olhou rapidamente para trás e se desesperou ao ver que o monstro estava a menos de 15 metros de distância. Seus olhos lacrimejavam devido ao esforço excruciante e seu corpo tremia como se sofresse uma convulsão.
O jovem conseguiu entrar na clareira, mas teve pouco tempo de alívio, não havia nada nela, apenas um abismo. Lá embaixo, uma corredeira revolta com inúmeras pedras pontiagudas.
Eltom se aproximou das bordas da grande fenda e percebeu: era suicídio pular. Mesmo que não caísse nas pedras, a altura era grande o suficiente para fazer a água parecer concreto quando se chocasse com ela. Ele olhou para a mata de onde acabara de sair e se desesperou ainda mais ao ver a silhueta da fera observando-o, apreciando o medo de sua presa antes de despedaçá-la. Sua sentença de morte já estava assinada e seu algoz estava ali, preparado para aniquilá-lo.









PARTE II




















Logo atrás, um precipício. À frente, aquele monstro horrendo ainda mantinha-se nas sombras, apenas uma questão de segundos para que atacasse. Não havia saída, qualquer escolha a ser tomada parecia levar Eltom à morte.
O jovem tremia de medo. O desespero e a luta pela própria vida impediam que pensasse com clareza. Na realidade, pela primeira vez na vida, ele experimentava o verdadeiro desespero, não aquele artificial, que se sente quando algo de muito errado acontece. Este sentimento era novo, único, quase especial, fora o fato, é claro, que seria o último.
O ser envolto na escuridão da mata que antes deliciava-se com desespero de sua vítima entrou na clareira lentamente, não havia para onde escapar, agora eram apenas caçador e presa.
Ele era, de fato uma, criatura horrenda e feia. Sua pele era cinza, pelancuda e desprovida de pelos. No lugar dos olhos, dois globos brancos e assustadores, combinando com a face disforme e pútrida, como se estivesse apodrecendo há meses.
Eltom olhou enojado para aquele ser à sua frente sem saber o que seria aquilo. Quando fora atacado por ele, minutos atrás na floresta, descarregara todo o pente de sua pistola no monstro e, ainda assim, aquela coisa continuava de pé logo a sua frente, querendo um pedaço do seu corpo.
As marcas das balas ainda podiam ser vistas no imenso e musculoso corpo da fera que, só agora Eltom percebia, deveria ter quase 3 metros de altura.
O monstro se curvou para atacar e todo o tempo ao redor de Eltom pareceu se mover lentamente, toda sua vida passou diante de seus olhos: seus amigos, sua casa, família... sua irmã mais velha, sequestrada há anos atrás, a qual ele nunca pôde descobrir seu paradeiro.
Uma gota de suor escorria lentamente enquanto aquela fera fétida e irracional ia em sua direção, ela abriu sua boca totalmente preenchida por dentes pontiagudos e pulou.
Um filme passava por sua cabeça enquanto ele, no entanto, era espectador de sua morte iminente.
O vento havia parado de soprar e todos os sons ao redor pareciam estar em câmera lenta.
A animalesca criatura à sua frente estava quase estática, flutuando no ar a menos de 2 metros de distância. O tempo não parecia estar lento, ele estava, de fato, lento! Como se os segundos houvessem sido trocados por minutos.
Só posso estar sonhando.” Ele pensou olhando, incrédulo, para a fera à sua frente, que flutuava vagarosamente no ar.
Eltom saiu da direção do animal, que agora voaria em direção ao precipício.
Tudo continuava em câmera lenta.
Será que eu fiz isso? Venci o próprio tempo?”. Pensou ele, imaginando quantas pessoas no mundo um dia almejaram fazer isso: Controlar o tempo. Mas apenas considerar tal ideia já era ridículo. Aquilo tudo só poderia ser um sonho do qual não conseguia acordar.
Não, por mais que ele tentasse acreditar que nada era real, nunca havia se sentido tão vivo, tão renovado. Afinal, ele continuava de pé, mesmo depois de tanto sufoco, ainda estava ali, um vencedor.
Tão repentino quanto o tempo parou, aos poucos, o vento começou a soprar novamente e a criatura, até então alheia no ar, começou a ganhar movimento gradualmente até atingir a normalidade e cair no precipício, urrando em um misto de surpresa e medo por sua vida primitiva.
Mesmo exausto, Eltom sabia que precisava se abrigar em algum lugar seguro, se houvesse mais um monstro como aquele para persegui-lo seria o fim.
O jovem decidiu margear a grande fenda ao seu lado, pois havia percebido que cada vez mais a altitude diminuía em relação à corredeira lá em baixo.